Com existência conhecida desde o século XVI, e sediada na capela em frente da matriz, a Misericórdia de Penafiel apenas beneficiou de igreja própria na segunda década do século XVII. A sua edificação deve-se à iniciativa do padre Amaro Moreira, cujas doações e legados pios permitiram fortalecer a Irmandade e construir uma nova igreja (no denominado rossio das Chãs), na qual foi sepultado (na capela-mor). As obras tiveram início na década de 1620, estando concluídas, muito possivelmente, em 1631, data que figura numa inscrição patente na capela-mor, que nos informa ainda da dotação de Amaro Moreira. O partido arquitectónico adoptado é, de alguma forma, ambíguo, e ainda que se possa inscrever numa linguagem maneirista, motiva análises como a seguinte: “a igreja da Misericórdia corresponde a uma tipologia de austeridade, fiel à traça sem estilo, (…) que imperou pelo país desde o início da década de 60 do séc. XVI, com a tendência gradual para o predomínio das ordens dórica e toscana. Trata-se de um edifício assumido na sua forma chã, mesclado de elementos eruditos, no qual a gramática clássica se articula segundo uma estética de liberdade”. O seu frontispício, concebido como um retábulo, inscreve-se nas denominadas fachadas-retábulos. É delimitado por pilastras, nos cunhais, que acentuam a sua verticalidade, sendo que a do lado direito separa o alçado da torre sineira, setecentista, que se eleva bem acima da linha da empena, terminando numa cúpula bolbosa, revestida por azulejos. No interior, a nave única e a capela-mor, alta e bastante profunda, são articuladas pelo arco triunfal, flanqueado por pilastras e encimado por frontão triangular. Na capela-mor, o tecto é em caixotões de cantaria, numa composição de linguagem seiscentista, tal como o arcosólio onde se inscreve o túmulo de Amaro Moreira e seus descendentes. O património integrado que hoje podemos observar neste interior é muito posterior, remontando na sua grande maioria ao final do século XVIII e inícios da centúria seguinte, e substituído os originais de época barroca. A linguagem aqui presente é já neoclássica, conhecendo-se os nomes dos entalhadores responsáveis pela execução dos retábulos.
Recuando alguns anos, importa referir uma das obras mais significativas de que o templo foi alvo, pois denuncia não apenas a importância da actualização estética do imóvel, e a adaptação às alterações urbanísticas do espaço envolvente, mas também o respeito pelo património construído e a aposição de um elemento que, no entanto, alteraria por completo a leitura do imóvel. Com o crescimento de Penafiel, a malha urbana envolveu a igreja, reduzindo significativamente o espaço fronteiro à fachada principal. Assim, foi decidido levantar um novo frontispício, virado para a praça, e que corresponderia ao corpo da nave e capela-mor do lado da Epístola. Esta imponente fachada, que seria flanqueada por torres, foi licenciada pela Câmara em 1764, mas as obras interromperam-se em 1769 por manifesta falta de recursos e algumas irregularidades. Dez anos mais tarde os trabalhos deveriam ter sido retomados, mas uma polémica entre a Irmandade e a Câmara devido às licenças necessárias, impediu que tal acontecesse, e o caso apenas foi resolvido em 1780, pelo Desembargo do Paço, a favor da Misericórdia. Todavia, a obra nunca foi concluída, e o que hoje observamos é apenas uma parte da monumental fachada projectada. De linhas e elementos decorativos rocaille, o alçado desenvolve-se em planta contracurvada, que destacam a composição central formada pela porta, nicho e óculo, flanqueada pelos cunhais onde se abrem os nichos. Ao lado, ergue-se a capela da Senhora da Lapa, de linhas menos eruditas, e edificada em substituição da parte da fachada que ficou por levantar. Da mesma época deverá ser, ainda, a capela do Senhor dos Passos, na cabeceira da igreja.
Texto: IPPAR - (RC)
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