quinta-feira, 4 de março de 2010

A Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Óbidos

A Igreja da Santa Casa da Misericórdia, um importante marco da História e da Arte

Junto aos antigos Paços do Concelho, num plano inferior ao Largo da Praça, também conhecida pela Praça de Santa Maria, fica situada a Igreja da Santa Casa da Misericórdia, até fins do século XV conhecida por Capela do Espírito Santo.

Este templo é um importante marco da História e da Arte. Com o seu portal, datado de 1596, é a primeira obra do barroco no País, em pleno período renascentista e maneirista, embora o barroco nasça em Itália no fim do século XVI, e só mais de 100 anos depois é que se possa considerar que ele tivesse entrado em Portugal.

Não podendo caracterizar a igreja da Misericórdia de Óbidos como um templo Barroco, explica-nos o Dr. Sérgio Gorjão, que são contudo notáveis três situações específicas, que lançam esta obra na discussão: em primeiro lugar, sendo um imóvel construído durante o século XVI, em pleno evento renascentista e maneirista, a sua estrutura arquitectónica assume já uma linguagem que vem a ser grandemente praticada pelo Barroco, nomeadamente pelo uso de uma única e espaçosa nave.

Em segundo lugar, se numa abordagem superficial poderíamos entender o portal como uma obra tardia do século XVII, considerando que apresenta uma construção formal de frontões curvos e contracurvos, típicos do Barroco, já documentalmente inferimos que esta obra surpreendentemente data de 1596, fazendo com que este seja, no país um dos primeiros prenúncios do Barroco (se não mesmo o primeiro), situação que eventualmente poderá ter a ver com a aula de matemática (e possivelmente do risco) instalada em Óbidos sob vigência de D. Catarina de Áustria (mulher de D. João III).

Nesta “aula”, deveria haver livros com tratados de estética e arquitectura e, como era uma área vanguardista, alguns desses livros deviam fazer referência às grandes obras do seu tempo.

Por último, as características próprias do retábulo (1628-1629), cuja a estrutura se afasta das típicas “arquitecturas serlianas” (ao exemplo do retábulo da igreja de Santa Maria), avançando para uma superfície grande e de forte impacto, representando a Visitação da Virgem a Santa Isabel. Acompanhando esta estrutura, também a composição que a preenche avança já por novos caminhos, afastando-se de um maneirismo que por vezes ainda mal saiu do tardo-gótico, aproximando-se dos padrões internacionais de origem romana.

O arco triunfal e o retábulo da Misericórdia foram pintados, em 1628 por André Reinoso, o mais importante pintor português na viragem para o naturalismo proto-barroco, tradicionalmente identificado com o maneirismo. Já apresenta uma série de valores lumínicos, cromáticos e de leitura anatómica clássica, assumindo uma vanguarda que só colherá frutos cerca de 70 anos mais tarde.

O seu interior é todo revestido de azulejos policromos, estilo “padrão”, do século XVII, e com molduras em quadros, devido ao Provedor, Prior e Doutor, João Tinoco Vieira, com origem em fábricas lisboetas.

Sobre a Igreja da Misericórdia, a Dr.ª Teresa Bettencourt da Câmara explica-nos que, da fundação subsiste ainda a porta que dá passagem para o púlpito. Trata-se de uma abertura moldurada por cantaria calcária composta de cornija de verga recta e limitada superiormente por uma moldura enxadrezada e pilastras a ambos os lados, sendo cada uma destas rematada por um capitel decorado com temas renascentistas. Folhas de acanto são assinalados a meio-relevo, da base do capitel até metade da sua altura, num ritmo ondulado, como se pelo vento fossem agitadas. Do centro das folhas parte uma flor, semelhante a uma açucena, e duas bastas folhas que vão morrer em forma de espiral em cada esquina do capitel formando as volutas. Sobre a flor, uma cornija suporta uma cabeça de anjo, no ábaco de perfil curvo cujas orelhas foram convertidas em asinhas, esquema decorativo que se repete igualmente nas faces livres de cada pilastra.

Nos finais do século XVI o suporte do púlpito ruiu, o que originou a construção de peça que o substituísse. Trata-se de um suporte onde são visíveis as características maneiristas de idênticos trabalhos coevos: a partir da base, desenvolvem-se duas volutas em forma de caracol encimadas pelo entablamento decorado por uma fiada de lacrimais e outra de pequenas gregas. O trabalho, datado de 1596, é da autoria de mestre Álvaro Fernandes, sobre quem não lográmos obter qualquer outra informação.

Dentro da Igreja pode-se observar o túmulo de D. Maria Luísa, condessa da Guerra e camareira da rainha D. Maria Ana de Áustria e casada com D. Gregório Ferreira de Eça, Conde de Cavaleiros, que foi muitos anos provedor da Misericórdia de Óbidos.

A D. Maria Luísa faleceu em 26 de Abril de 1748.

Neste templo, encontra-se ao culto uma imagem antiquíssima e histórica, a que os fiéis de Óbidos, de todas as épocas, têm dedicado profunda veneração, Nossa Senhora da Paz que, consta, foi piedosa oferta da Rainha Santa Isabel (Rainha Santa) à antiga capela do Espírito Santo.

Autor do texto: Carlos Orlando Rodrigues